Não é todo dia que nos deparamos com um trabalho tão bem feito. Meu amigo Gustavo Doria, que deu a dica, definiu o vídeo da melhor maneira possível: "Feito por gente que realmente entende de música, para gente que não entende muito, levando em conta diversos aspectos diferentes e trazendo contexto histórico. Dá pra ver que demoraram pra fazer, se dedicaram e ainda conseguiram resumir em 10min. Perfeito!"
Os autores merecem muitos parabéns. Gaste 10 minutinhos e aprenda um pouco mais sobre música e games!
Todos sabem que
muito se fala sobre a evolução gráfica dos games, que se aproximam a cada dia
mais da perfeição e da representação fiel da realidade. Mas é fácil notar que
pouco se debate sobre a evolução dos sons nos videogames. Bem, isso se explica
facilmente: tecnicamente, o som em games já beira a perfeição (em termos de
qualidade de áudio) e se equipara ao melhor que existe em áudio nos dias de
hoje.
Desde o advento
do CD enquanto mídia jogável, a parte sonora dos games chegou ao mesmo patamar
da melhor tecnologia existente para este fim – na época, CDs de 44.100 Khz e 16
bits. Com o Sony Playstation, lançado em 3 dezembro de 1994 no Japão, chegou ao
fim o tempo em que o áudio dos games se resumia a sons midi polifônicos,
instrumentos sintetizados com perda de qualidade e uma ou outra voz
sofrivelmente comprimida. A partir daí, viu-se um movimento natural de
acompanhar a evolução tecnológica – áudio de DVD com 48000 Khz, Surround 5.1,
depois 7.1 e assim por diante.
O desafio de
áudio para um jogo ainda tem seu aspecto técnico – alcançar uma programação que
permita executar todos os diversos sons com boa performance, reduzir os
tamanhos dos arquivos de áudio a níveis aceitáveis sem perda de qualidade -,
mas um ponto fundamental a ser discutido não é exatamente técnico: é saber
usá-lo como um elemento de design e imersão. Analisando historicamente, é
possível chegar a uma série de categorias principais de que mostram como o áudio
se encaixa na estrutura da montagem de um jogo e se mostra fundamental para o
êxito da experiência.
Efeitos sonoros podem, em
uma fração de segundo, contar ao jogador que tudo mudou. A realidade em que ele
estava inserido agora é outra, e ele deve repensar suas estratégias de acordo
com isso. Um som conciso e marcante é fundamental para o sucesso deste tipo de
uso.
Exemplo 1:
Super Mario Bros. (1985)
Quando faltam 99
unidades de tempo para que o contador chegue a zero, um efeito sonoro
característico toca, e todo e qualquer jogador entende de imediato que é hora
de apressar o passo. Além disso, e a música acelera
seu tempo, colaborando para a frenesi e convidando o jogador a, na pressa,
fazer movimentos estúpidos e morrer onde normalmente não o faria.
Exemplo 2:
Metal Gear Solid (1998)
Metal Gear é um
jogo de furtividade: não ser detectado pelos inimigos e agir sorrateiramente é
o que importa no game. Mas nem sempre tudo dá certo, e quando o jogador faz um
movimento errado e é visto, ouvido ou tocado por um inimigo, um som forte,
agudo e breve avisa o jogador: agora, o bicho vai pegar. Claro, o efeito é
seguido por uma música agitada, que se perpetua até o
protagonista despistar ou eliminar os inimigos.
Exemplo 3: Gears of War (2007)
(5:50)
Neste game de
tiro, é comum os jogadores enfrentarem longas hordas de inimigos em embates que
podem durar dezenas de minutos. O clima de tensão só é quebrado quando se ouve
uma aliviante guitarra, que indica o fim daquele grupo de monstrengos.
2- Aviso do
que está por vir
Um som ou música pode dar ao jogador uma antecipação do conteúdo que
lhe espera adiante. Ao fazer isso, o designer está avisando que a coisa pode
ficar feia, então é melhor se preparar. Dá uma chance ao jogador procurar os
melhores itens e o melhor local ou formação para enfrentar o desafio vindouro.
Exemplo 1: Left 4 Dead (2008), Left 4 Dead (2008)
Left 4 Dead é um
game cujo design é voltado para o improviso, para a não-repetição. Com um
sistema de Inteligência Artificial que mede o desempenho dos jogadores e adapta
a quantidade e qualidade dos inimigos de acordo com o que está acontecendo, faz
cada partida ser um pouco diferente – até o mapa se modifica. Por isso, as
hordas de inimigos não tem hora certa para aparecer. Mas, quando são iminentes,
uma música típica começa a tocar, com uma
melodia marcante seguida de uma bateria frenética, dando aos sobreviventes
poucos segundos para encontrar um local adequado que permita resistir ao
ataque. Além disso,
quando o pior inimigo de todos, o Tank, se aproxima, outra música de terror começa – e só vai parar quando o zumbi é
destruído.
Exemplo 2:
Halo 3 (2007)
(Acompanhe o vídeo a partir de 4:15 e veja as mudanças de música)
A trilha sonora da série Halo é tida por muitos como exemplar - e
isso não acontece à toa. Seu compositor, Martin o’Donnell, já criou
as passagens pensando em múltiplas situações de jogo, com pontes e passagens
intermediárias que se adaptam ao desenrolar da ação. Assim, a intensidade
da música se encaixa com a da jogabilidade e
do que está acontecendo na história.
Exemplo 3:
Starfox 64 (1997)
(3:45)
Starfox usa muito
bem algo menos explorado nos videogames: o silêncio. Quando a música pára, o jogador já pode se concentrar, pois alguma
coisa grande querendo matá-lo está por vir – e o apito de perigo confirma isso em seguida. Além disso,
um barulho de emergência anuncia quando a nave está prestes a explodir, prática
que se tornou muito comum em jogos que incluem veículos.
3-
Identificação de uma novidade
Algo tão natural
que nem parece um elemento devido ao quanto já estamos acostumados, este uso
existe desde os primórdios dos games e continua fundamental como sempre.
Trata-se da indicação de que um item foi adquirido, ou que algo machucou o
jogador, ou algo aconteceu em outro ponto do mundo, ou alguma novidade surgiu
na tela.
Exemplo
1: Pac Man (1980)
A cada fichinha
pega, ouve-se o barulho típico do Pac Man. Quando o jogador quer fazer uma
curva brusca logo após pegar uma ficha, mas não escuta o barulho, já sabe:
virou antes da hora. Este mesmo conceito vale para as moedas e cogumelos de
Super Mario Bros., ou para as Argolas de Sonic – e para todos os jogos em que
se coleciona itens.
Exemplo 2: Far
Cry 2 (2008)
A moeda deste sandbox de tiro em primeira pessoa é o diamante. E malas com
diamantes estão espalhados por todo o mapa. Para encontrá-las, o jogador conta
com um GPS que bipa intermitentemente e pisca conforme a proximidade do
personagem à maleta. Então, quando o jogador se vira na direção correta, a luz
do GPS fica constante e uniforme, mostrando que o tesouro está a uma linha reta
dali.
Leia agora a segunda parte da análise das principais categorias que mostram como o áudio se encaixa na estrutura da montagem de um jogo e se mostra fundamental para o êxito da experiência.
Jogos multiplayer dependem muito de comunicação. Quando cooperativos, para o sucesso; quando competitivos, para a diversão e zombaria. Mas nem por isso os designers podem se privar de tornar a comunicação de coisas básicas do jogo mais fáceis. Às vezes, um áudio incorporado na jogabilidade facilita mundos na comunicação, deixando que os gamers se preocupem em falar de coisas mais importantes – seja sobre uma estratégia, seja sobre a mãe do adversário.
Exemplo 1: Left 4 Dead (2008) e Left 4 Dead 2 (2009)
Quando o jogador visualiza um item – qualquer que seja – seu personagem já grita, de imediato, que encontrou aquilo. Assim, os companheiros conseguem saber que existe um analgésico, ou um kit de primeiros socorros, ou uma pilha de munição logo ali. Além disso, ele sempre avisa quando está recarregando – o que pode significar necessidade de fogo de cobertura. Ninguém precisa falar nada: o áudio in-game já deu conta do recado.
Exemplo 2: Team Fortress 2
(0:33)
Gritos de “Medic!” e "Doctor!" são uma constante neste frenético jogo de tiro multiplayer. No apertar de um botão, o jogador enfraquecido já mostra ao médico de seu time – com áudio e um balãozinho - que está em busca de socorro.
5- Incentivo / Recriminação Mostrar que o jogador está fazendo a coisa certa/errada, ou está no caminho certo/errado. O som adequado deixa o jogador ciente de que deve repetir ou evitar uma ação.
Exemplo 1: WaveRace 64 (1996)
Este game de corrida requer que o jogador passe à direita e à esquerda de bóias para manter e incrementar sua velocidade e poder completar as provas sem ser desclassificado. Acertar a passagem de uma bóia vem acompanhado de um som animador e um comentário positivo do narrador; errar, pelo contrário, resulta em um barulho broxante e um lamento.
Exemplo 2: Guitar Hero (2005)
(2:40)
Neste caso, é simples: quando o jogador erra a nota, um barulho travado, de toque errado, soa. Enquanto ele não acerta, seu instrumento não volta a tocar. Simples e eficaz.
6- Identidade da Série
Muitos jogos são marcados por suas trilhas sonoras. Uma música tem a capacidade de remeter a um jogo com algumas poucas notas. Este tipo de caso incrementa a identidade do jogador com a franquia, deixando-o “em casa”.
Exemplo 1: Final Fantasy
O tema de abertura de Final Fantasy é tão conhecido no meio gamer quanto Start Me Up, dos Rolling Stones, é conhecida no meio Rock. Seu longo arpejo já evoca instintivamente um mundo de fantasia e magia, transportando o jogador de imediato para o universo em que vai gastar horas, horas e horas de sua vida.
Exemplo 2: Zelda (1986)
(Vídeo da versão de 1991, de A Link to the Past)
Outro game que tem na música uma marca registrada. O tema quase militar dá o tom heróico que o jogo carrega, com o jogador encarnando um herói solitário que busca salvar o mundo.
Exemplos extra: Super Mario Bros., Sonic
7- Imersão / Ambientação via voz
Evidentemente, o áudio gera imersão no jogo. Mas isso pode ser atingido em diversos níveis distintos, e através de múltiplas opções. Uma delas, cada vez mais importante, é por meio de diálogos. Criando elos entre o jogador e os personagens (principais e secundários), a dublagem se mostra, a cada dia que passa, um elemento de destaque nos jogos.
Exemplo 1: GTA IV
O clássico da Rockstar tornou-se referência em dublagem de vozes tão logo foi lançado por conta de seus dubladores de primeira linha e roteiro muito bem escrito. Com personagens caricatos (e outros nem tanto) cheios de sotaque e expressões típicas de uma tribo ou origem, fica fácil simpatizar/odiar qualquer um que cruza o caminho do protagonista Niko Belic. Longos e divertidos diálogos travados no caminho para cada missão dão detalhes do que vai acontecer e incrementam o vínculo de Niko com seus comparsas, além da ligação do jogador com todos os envolvidos.
Exemplo 2: Portal (2007)
Um inimigo robótico em forma de voz com falas tão bem-humoradas que criam um clima incrível para o jogo. Escancarando o absurdo do que é feito no local onde se passa o jogo em tom de colaboração, faz da experiência algo muito mais divertido e agradável. Você mal pode esperar pela próxima loucura que GLaDOS vai dizer.
8 - Ambientação via trilha licenciada
Licenciar músicas de artistas consagrados e/ou desconhecidos é uma prática comum para gerar o clima do jogo. Ao escolher o cast de uma trilha sonora, a desenvolvedora pode agradar ao seu público alvo, uma vez que o tema do jogo muitas vezes pode estar vinculado a um estilo musical específico.
Exemplo 1: Rock N Roll Racing (1993)
Com uma trilha sonora de rock clássico e a ambientação típica de roqueiros, o game foi um marco no uso de músicas licenciadas. Lembrado até hoje com carinho por gamers de toda uma geração, ousou com sucesso ao fazer versões em MIDI de músicas consagradas. Foi pioneiro desta prática de licenciamento, posteriormente firmada em séries como Need For Speed, Burnout e games de esporte.
Exemplo 2: Tony Hawk Pro Skater (1999)
Skate + Hardcore + Ska = Sucesso. Apostando nessa fórmula, a Neversoft aperfeiçoou como ninguém o uso de músicas licenciadas para dar o clima do jogo. A trilha sonora marcou época, e ter uma trilha tornou-se marca registrada da série de Skate.
Conclusão
Existem, claro, variantes destas categorias; certamente há outras não citadas aqui; e definitivamente há muitos exemplos dessas categorias que você pode ter se lembrado enquanto lia e não estão aqui no texto. Na hora de bolar o design de som de um jogo, pensar nestas oito categorias é um grande começo para fazer escolhas certas e ter, no áudio, um grande aliado para o design – afinal, através do som, é possível economizar muito esforço visual, de processamento e de tráfego de informações – com o bônus de incrementar a imersão ainda mais.